Fragmentos

Sentei de frente para o mural de madeira pendurado na parede do meu quarto. Nele estão pregados alguns bilhetes antigos de pessoas incríveis. Algumas ainda presentes, outras nem tanto.

Acho engraçado, pra não dizer triste, como a constância da vida faz certas coisas extremamente relevantes perderem o significado. Deve fazer pelo menos uns seis anos que esse mural está pendurado na mesma parede, mas pelo menos uns três que eu não reparo nele. Demora pra gente perceber que em um objeto tão simples pode haver fragmentos de saudades, lembranças e de muito amor.

Senti a dor corroer o meu peito ao reler algumas coisas escritas ali e entender que, por algum motivo que a vida não explica, a maioria delas não faz mais parte do meu dia-a-dia.

Dia desses escutei de alguém que está distante que “o ser humano é adaptável”. Sempre achei que adaptar-se a qualquer circunstância era simplesmente uma questão de necessidade. Mas, depois de criar coragem e reler todos os bilhetes pendurados ali, entendi que adaptar-se pode ser uma estratégia covarde de qualquer ser humano.

Talvez quase ninguém esteja verdadeiramente preparado para lidar com o passado e, consequentemente, com as lembranças as quais ele nos remete. Assim como quase ninguém está verdadeiramente preparado para perder pessoas especiais.  Olhei durante tanto tempo para esse mural de recados, mas por muito tempo não fui capaz de enxergá-lo. Hoje, entendi que a estratégia de adaptar-se funciona e, por vezes, é bem justa. Mas, quase sempre, ela também nos torna cegos.

Por Flávia